Oxford e Colin McGinn
por
Ana Bernardes
Oxford fica a menos de uma hora de
comboio de Londres (97km) e é fácil ir a pé da estação ao centro da cidade onde
se encontram os seus seculares colégios universitários. A cidade pode parecer
pequena a quem chega pela primeira vez, e se for em agosto, muito tranquila,
por comparação com a agitação londrina. Um sol sempre ténue aclara o cinzento
das fachadas de pedra e o verde dos amplos espaços relvados, as ruas estreitas
com pouco trânsito, cheias de pequenas livrarias, lojas de porcelanas e salões
de chá, dão-lhe um encanto muito acolhedor.
Mas toda a atmosfera é marcada pela imponência da sua
universidade, na qual se formaram ou ensinaram, desde o século XIII, alguns dos
melhores pensadores da cultura ocidental, muitos deles, filósofos.
No final desse século, Paris e Oxford eram como que dois campus
de uma mesma universidade, a recuperação da obra de Aristóteles, que tanto
enriqueceu e inquietou o pensamento dos mestres da filosofia latina, fez
florescer a lógica formal e a metafísica. Por volta de 1320, Oxford
estabeleceu-se como um centro independente usurpando a Paris a hegemonia da
escolástica europeia. Grande parte do trabalho filosófico consistia no ensino
da lógica e na problematização de questões metafísicas.
Séculos depois, no período pós guerra, Oxford terá sido ainda o
centro mundial da filosofia. E foi esta cidade que atraiu Colin McGinn, um dos mais importantes filósofos da atualidade,
quando, em 1972, após a sua licenciatura com nota máxima em Psicologia, começou
a sentir o apelo irresistível da Filosofia. Oxford seria na época, tinha ouvido
dizer, o melhor sítio de Inglaterra para se estudar Filosofia.
Na sua obra Como Se Faz Um
Filósofo, McGinn descreve, numa narrativa autobiográfica cativante, o
intenso percurso de treino filosófico pelo qual passou até ser admitido no
curso de pós graduação para os licenciados mais distintos na área e a honrosa
conquista do prestigiante Prémio John
Locke, que lhe permitiu passar a ser um profissional da filosofia, como
tanto desejava. Pelas memórias do então jovem aluno e depois professor,
fascinado por Oxford aos vinte e três anos, entramos no ambiente dessa época
mais recente: nos colégios antigos, com os seus jardins tratados e as suas
torres, um corpo docente dinâmico de setenta catedráticos de Filosofia, uma
lista de centenas de aulas à escolha, conferências com oradores como Saúl
Kripke e Donald Davidson, competições intelectuais sobre lógica e linguagem
desde a hora do chá até ao dia seguinte, num dia as aulas do professor Gareth
Evans em calças de bombazine e botas rústicas, no outro um grupo de jovens e
velhos esgrimas da filosofia vestidos a rigor com os seus subfuscus, (laço e camisa branca, fato negro e chapéu) a caminho
dos exames mais conceituados.
Nos dois anos que Mc Ginn viveu em Oxford a Filosofia
transformou-se para ele em lógica e linguagem, as primeiras aulas expositivas
que deu foram sobre o tópico da verdade. Qual o significado da palavra
“verdade”? O que faz uma frase ou crença ser verdadeira? Estudava com
entusiasmo as teorias davidsonianas, e os problemas que elas enfrentavam,
fascinado por esse modo técnico de fazer Filosofia, acreditando resolver a
obscura questão «o que é o significado?» e transformar a filosofia em ciência,
promessa de ultrapassar outros impasses como o livre arbítrio ou a consciência.
Mas essa esperança estava muito longe de ser satisfeita.
Mc Ginn vive atualmente nos Estados Unidos, já escreveu dezenas
de livros, muitos sobre filosofia da mente e um deles, pelo menos, foi publicado
em Portugal pela editora Gradiva, O
Caráter da Mente, onde apresenta uma tese sobre a questão da consciência, o
naturalismo transcendental, na qual
defende que o problema do
conhecimento da consciência é insolúvel para nós, não porque a consciência seja
mágica, irredutível ou não existente, mas devido às nossas limitações
conceptuais. Mas porque não é a solução para o problema mente – corpo adequada
aos nossos sistemas cognitivos? O que nos impede de forma tão sistemática de
apreender “a propriedade explicativa P”?
Em
Oxford há uma rua com o nome de Rua da Lógica, o que ele achava “o máximo do
fixe filosófico”.
Mac
Ginn ainda acha que qualquer filósofo profissional deve ter um bom domínio da
lógica mas deixou de acreditar que só com ela possamos resolver problemas
filosóficos sérios. E nesse sentido, não acredita que a filosofia possa ser uma
ciência.
A
lógica não lhe permitirá alcançar uma verdade conclusiva sobre a consciência
mas abre a possibilidade de identificar erros nos seus próprios raciocínios, de
avaliar melhor o que o que se pode concluir a partir das suas hipóteses
explicativas e revê-las continuadamente na procura de outras melhores. É disso
que se faz a filosofia, em Oxford como em qualquer outro mundo possível.
Nota: Este texto da professora Ana Bernardes foi escrito no âmbito do Dia Mundial da Filosofia de 2011. Pela sua qualidade e pelo elogio que nele existe ao fascinante mundo da filosofia, pareceu-nos uma excelente escolha para assinalar o facto do grupo 410 retomar a actividade deste blogue.