terça-feira, 27 de novembro de 2012

Mar Adentro e a eutanásia: uma reflexão ética de Lázaro Fernandes



Mar Adentro

 Este é um filme de 2004, que nos apresenta a história de um personagem real, Ramón Sampedro (Javier Bardem), que nos cativa com o seu sorriso, como cativou Júlia, a advogada que o apoiou na sua luta a favor da eutanásia ativa, e cativou Rosa, uma vizinha empregada fabril, que tenta demovê-lo das suas ideias. Trata-se de um drama que nos emociona, mas ao mesmo tempo nos prende a atenção, apesar de grande parte da ação se desenrolar no quarto de Ramón.
É um filme com conteúdo filosófico na área da ética, porque Ramón nos faz pensar através da sua luta judicial contra o estado espanhol, contra a família, contra a igreja e a sociedade em geral, pela liberdade de escolher o que quer fazer da própria vida, depois de esta ter deixado de fazer sentido.
Ramón era um ex-marinheiro galego tetraplégico, vítima de um acidente ao mergulhar no mar, em plena juventude, que o obrigou a viver perto de trinta anos confinado ao seu quarto, junto dos familiares que cuidaram dele, mas que eram contra ajudá-lo a pôr fim à vida através da eutanásia (sobretudo o irmão mais velho). Ele sente-se preso na sua própria casa, e mostra-nos a luta permanente entre a vida e a morte. A vida é vislumbrada pela fuga através dos sonhos que contrasta com a reclusão em que vive e que lhe roubou a liberdade de viver, daí a decisão de pedir ajuda para pôr fim à vida, visto ele não ter condições par o fazer.
O tema da morte não é fácil lidar com ele e muito menos, quando se trata de antecipar esse momento. Ramón ao decidir-se pela morte, porque para ele a vida sem liberdade não faz sentido, é apoiado por uns e entra em conflito com outros, levando a que sejam apresentados argumentos a favor e contra a eutanásia ativa. O irmão mais velho é contra, devido ao medo de perder a pessoa que ali está, sem se importar que para Ramón, a vida já não faça setido assim. A igreja através do padre tetraplégico é contra a eutanásia, porque a vida não é sua, mas de alguém superior. Depois a favor da eutanásia surge um grupo de pessoas ligadas a uma associação, que ajuda as pessoas que estão nesta situação, por se tratar da vontade livre e consciente de desistir da vida, para evitar o sofrimento de uma vida sem sentido.
No fim Rosa, apesar de antes o ter tentado demover, ajuda Ramón a consumar a eutanásia, libertando-o assim do sofrimento de uma vida sem setido. Este ato, surge no filme em paralelo com o nascimento de uma criança, mostrando que estas realidades são inseparáveis e a continuação uma da outra.
O realizador, Alejandro Amenábar e os atores produziram um bom filme, tendo recebido o Óscar de melhor filme estrangeiro.
Lázaro Fernandes

Este texto foi produzido no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Filosofia 2012. Aqui fica o trailer do filme:


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A Filosofia como exercício de liberdade em Hypatia: uma reflexão de Luís Gonçalves a propósito do filme Ágora


“São mais as coisas que nos unem do que aquilo que nos separa
“(…) o que dizem poder ser refutado. Neste momento não sei como …”
“ Acredito na Filosofia. Eu sou livre“
                                                    Hypatia, Astrónoma, Filósofa, Cidadã

Filme : Ágora , 2009
Realizador : A. Aménabar

Contexto: Egito, 391 d.C.

Quando o lema do Dia Mundial da Filosofia 2012, nos convoca para nos preocuparmos com “as Futuras  Gerações”, um regresso ao passado de 1600 anos atrás, que o filme de Aménabar  nos proporciona,  abre-nos a “avenida da crítica“ que desafia a reconfiguração das gerações que virão,  para um diálogo constante com as dúvidas e as questões que o passado não deixa adormecer.
Conduzidos por Hypatia na nossa viagem pela Ágora, somos desafiados para o papel maiêutico (à boa maneira de Sócrates) da interrogação  e para a inescapável incomodidade que ela gera em todos os que a “ habitam”.
Da Ágora egípcia emerge, numa primeira linha a discussão do papel  da mulher  na sociedade e do seu poder desafiador  de preconceitos, de instituições e de saberes,  protagonizada por alguém que com uma mente aberta para os seus alunos, confronta um mundo que quer silenciá-la  e cujas limitações preconceituosas ela põe a descoberto.
Numa segunda linha, a Ágora é exercício vivo de combate a todas as formas de intolerância, sejam elas científicas, religiosas ou políticas, onde uma vez mais Hypatia dá mostra da sua coragem para desafiar de forma justificada, os fundamentalismos que habitam a Alexandria do seu tempo.
Não será por isso despiciente para a compreensão do modo de ser e de estar de Hypatia, que o local escolhido para o desenrolar do confronto dramático da astrónoma, filósofa e cidadã com os poderes estabelecidos do seu tempo, científicos, religiosos ou políticos, fosse a Biblioteca de Alexandria, o lugar de tolerância por excelência. 
Numa terceira linha, Ágora é um manifesto do poder revolucionário que o reconhecimento da ignorância tem na busca da compreensão do mundo, das pessoas, das ideias, numa palavra do caminho para construir pontes mesmo quando a intolerância e a violência andam à solta e tomam conta das mentes e dos comportamentos humanos.
Apanhada no turbilhão da história do seu tempo e das vicissitudes dum mundo à procura de si e da sua identidade, Hypatia acabará sacrificada no altar dos interesses políticos, religiosos e científicos da Alexandria romo-cristianizada. 
Mas, … o grito Hypatiano “Acredito na Filosofia, Eu sou livre“, ecoa como a herança que vinda de 391 d.C.… chega ao século XXI e às “Futuras Gerações”, para que estas façam da interrogação, da busca da fundamentação e da discussão crítica das posições e argumentos, a melhor forma de nas suas “Ágoras“ conseguirem viver e agir na incomodidade, mas também na liberdade que só a busca constante da resposta proporciona… 

Luís Gonçalves

Este texto foi produzido no âmbito das comemorações do Dia Mundial da Filosofia 2012. Aqui fica o trailer do filme: